Blog do Edy

Crônicas de Edirley Perini

06 novembro 2006

Aquele jovem rapaz havia voltado ao seu lugar de origem. Mas nada era como antes, tudo lhe parecia mudado. Ele não sabia exatamente o que havia mudado, mas tinha certeza que nada era como antes.
Mas nada havia mudado. Tudo estava como sempre esteve. As crianças brincavam na rua, os velhos as esperavam sair da escola pra brigar com elas caso pisassem no jardim, o vento soprava como sempre, pessoas iam e vinham sem pressa, até sua casa estava como havia deixado. Então o que mudara?
O jovem mudara. Ele não era mais o mesmo. O mundo distante de casa o fez mudar. Tudo estava como antes, apenas ele mudara. Via coisas que jamais tinha prestado atenção antes. Nunca reparou como o sol no final da tarde trazia um tom dourado às casas, nunca notou a paz que existia nesse momento. Nunca notou como a terra embaixo dos seus pés descalços era fresca. Jamais havia notado aquele cheiro de final de dia. O cheiro da janta saindo pelas frestas das casas. Até o cheiro de casa era relaxante, empolgante e aconchegante. Havia tempos que ele não tinha todas estas sensações e a falta delas por um longo período fez aguçar a sua percepção.
Ele sentara na calçada como fazia antes, mas agora tudo era diferente. Via as pessoas vivendo sempre do mesmo jeito, seguindo uma rotina interminável. Ele sentira a nostalgia ao lembrar que há alguns anos ele também estava ali sentado lendo um livro e vendo o dia passar. Não sabia o que era o mundo e não pensava nisso. Apenas vivia a sua rotina interminável assim como as pessoas que ele observa agora.
Ele tenta lembrar o que o fez mudar. Entre as lembranças, ele encontra medos e sofrimentos que o machucaram. Vontades e desejos que o fizeram querer deixar tudo o que vivera ate então e começar uma vida nova. Uma vida diferente. Uma vida sofisticada em uma cidade grande. Talvez o medo de ficar naquele paraíso infernal pra sempre tenha quebrado a sua rotina e o tenha feito mudar...
Jamais estamos satisfeitos. O medo da rotina nos faz mudar. O medo de sermos como nossos pais nos faz querer sair e mudar.
Durante um certo tempo essa vontade de mudar por medo de ser o que é pra sempre, fica só na vontade. Mas quando as asas crescem, pulamos da beira do abismo e batemos as asas ao máximo pra não nos espatifarmos no chão da decepção.
Corremos, lutamos, trabalhamos. Por medo mudamos e passamos a ser menos sensíveis. Se temos medo do monstro do armário, nos tornamos o próprio monstro, assim não temos mais do que ter medo.
Mudamos. E mudando nos tornamos aquilo que tínhamos medo de ser. Aquele jovem sentiu saudade do que ele era antes. Embora mudasse pra fugir dos seus medos, ele se deu conta de que o bom é sentir medo. Ser o monstro do armário não tem graça. Não se dorme olhando por uma brechinha no cobertor vigiando o armário. Não foge mais pra cama dos pais. Agora ele é o monstro e não tem a adrenalina de sentir medo. Sente saudades dos tempos que era só uma criança correndo na rua como as que ele observa agora. Cada uma com seu medo. Mas cada uma, muito mais feliz que o monstro do armário.